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Caracterização do endosso completo

O título cambiário tem por escopo a circulação do crédito. Em decorrência disso, há preocupação em se proteger o terceiro portador de boa-fé, o que contribui para a circulação do título através do endosso, que é uma declaração cambial, sucessiva e eventual, pela qual o legítimo portador do título – pessoa que justifica o seu direito por uma cadeia ininterrupta de endossos[1]–, transfere a terceiro o título, passando o antigo portador, agora endossante, a obrigado indireto, também responsável pelo pagamento do título.
Eventualmente, vê-se que o legislador exige o chamado endosso completo, para que uma cambial possa circular, v.g., a Cédula de Produto Rural, regulada pela Lei n. 8.292/94. Mas o que se entende por endosso completo?

Na busca por uma resposta a essa indagação, vê-se que a doutrina não tem um entendimento acorde. Segundo CARVALHO DE MENDONÇA, há duas espécies de endosso: em preto e em branco. Para esse autor, endosso completo é o mesmo que pleno, que são sinônimos do endosso em preto, ao afirmar que “o endosso póde ser em preto, também chamado nominativo, pleno ou completo e em branco”[2] (sic).

WHITAKER também vê sinonímia entre os chamados endosso completo e em preto, ao registrar que há “dois typos formaes de endosso: o endosso completo e o endosso em branco. O primeiro é aquelle em que se declara o nome do beneficiário; o segundo, aquelle em que esta declaração é omittida”[3] (sic).

AZEREDO SANTOS adota o mesmo entendimento: “endosso completo ou em preto, em que o nome do beneficiário (endossatário) vem especificado ou lançado no título”[4]. Mas, pouco à frente, registra que o endosso impróprio é sinônimo de endosso-mandato, de endosso incompleto[5]. Dessa última manifestação, poder-se-ia desenvolver o seguinte raciocínio: se o endosso-mandato é incompleto, o completo não seria o em preto, mas sim, o que transfere o direito mencionado no título.

BULGARELLI invoca diferenças entre o endosso completo e o pleno, afirmando que o completo é o que não é prestado de forma parcial:
Não se confunda, outrossim, o endosso pleno com o endosso completo (no sentido de não ser parcial, isto é, de ter o endossante assumido integralmente a obrigação que se contém no título), já que o § 3º, do art. 8º, do Decreto 2.044/1908, veda o endosso parcial, e a Lei Uniforme, no seu art. 12, considera como “não escrita” qualquer condição a que ele seja subordinado e “nulo” o endosso parcial.[6]

Não obstante, o Prof. WILLE DUARTE COSTA[7] ensina que o endosso pleno é o também chamado endosso completo, como afirmado por CARVALHO DE MENDONÇA. Contudo, para o festejado Professor mineiro, endosso pleno ou completo é o que transfere o título e o direito nele mencionado por completo, podendo ser expresso em preto, em branco ou ao portador, contrariamente a CARVALHO DE MENDONÇA, que vê o endosso completo como sinônimo do endosso em preto.

Corroborando o raciocínio, PONTES DE MIRANDA ensina que o endosso completo é o que transfere a propriedade, diferenciando-o dos endossos mandato e pignoratício[8], entendimento também defendido por SARAIVA[9].

Acompanhando essa linha, ROSA JÚNIOR diferencia bem os chamados endosso completo e incompleto:

O endosso próprio, pleno, completo ou translativo, é aquele que viabiliza a transferência dos direitos decorrentes do título de crédito, e o portador será legítimo se justificar o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco (LUG, arts. 14, al. 1ª, e 16; LC, arts. 20 e 22). [...] Endosso impróprio, não translativo, incompleto ou não pleno, é o ato cambiário pelo qual o endossante transfere apenas o exercício dos direitos emergentes do título, sem ficar responsável cambiário pelo aceite e pagamento. O endosso denomina-se impróprio porque não cumpre a sua função precípua de operar a transferência dos direitos decorrentes do título. [10]

Qual a intenção do legislador ao determinar que o endosso, em certos casos, deve ser completo? Significa que se permite apenas o endosso que transfere o título e o direito nele mencionado? Ou que somente admite a modalidade em preto? Ou significa que não pode ser parcial?

É certo que o endosso parcial – que transmitiria apenas parte da importância mencionada no título –, é considerado nulo, como se pode ver do disposto na LUG[11]. O próprio parágrafo 3º, do art. 8º, do D. n. 2.044/1908, apesar de não mais vigente, já proibia o endosso parcial[12].

Recordando-se o intuito cambiário de propiciar a circulação do título, também não há lógica em se permitir apenas o endosso em preto, vedando-se o endosso em branco e o ao portador. Por isso, o endosso completo não pode ser confundido com o endosso em preto.

Dessa forma, por não se confundir com o endosso em preto ou parcial, conclui-se que o endosso completo deve ser entendido como aquele que viabiliza a transferência do título e dos direitos dele decorrentes, e o portador será legítimo se justificar o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco, diferentemente do endosso-caução, por exemplo, que não promove a transferência dos direitos decorrentes do título de crédito, sendo chamado, inclusive, endosso impróprio.

[1] LUG, art. 16: “O detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma séria ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco.”

[2] MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro.Vol. V, 2 parte, 3. ed., n. 495, p. 100.
[3] WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. 2 ed., revista e augmentada. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1932, p. 122.

[4] SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Manual dos Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971, p. 40.

[5] SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Manual dos Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971, p. 42.

[6] BULGARELLI, Waldírio. Títulos de Crédito. 14. ed., São Paulo: Atlas, p. 166.

[7] COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 179.

[8] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário. Vol. III, atual. Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, p. 254/255.

[9] SARAIVA, José A. A Cambial. Vol. 1, Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, p. 242.

[10] ROSA JR., Luiz Emygdio F. da, Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 251.

[11] LUG, art. 12, 2ª alínea: “O endosso parcial é nulo.”

[12] D. n. 2.044/1908, art. 8°: “O endosso transmite a propriedade do título.

Omissis.
§ 3°. É vedado o endosso parcial.”
Autor: Gustavo Ribeiro