Escritório Artigos Profissionais Publicações Contato Blog

A “EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA”: BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A LEI N. 12.441/2011

A “EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA”: BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A LEI N. 12.441/2011

The “Personal Enterprise with Individual Responsibility”: Thumbnail Sketch About The Legislation 12.441/2011

Gustavo Ribeiro Rocha

José Maria Rocha Filho


RESUMO


No presente artigo realizou-se um sintético estudo, com breves comentários acerca da recém criada Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – “EIRELI”, importante instituto para a vida empresarial brasileira e nova forma de exercício de negócios em nosso País. Tem-se como objetivo analisar esse novo instituto, inserido em nosso Ordenamento Jurídico pela recente Lei. n. 12.441/2011, que alterou o Código Civil, para permitir a constituição da “EIRELI”, considerando a evolução de nosso ordenamento jurídico, as mudanças do Direito Comercial, desde a teoria francesa dos atos de comércio até a teoria italiana da empresa. A pesquisa investigou a evolução histórica do debate sobre o tema, diferenciando a “EIRELI” das demais espécies de empresário, individual e coletivo, e as consequências daí advindas, além da análise de suas particularidades. O resultado do presente trabalho demonstra o grande potencial da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a necessidade de um melhor entendimento sobre o tema, para que cumpra os objetivos almejados pelo legislador, contribuindo para o fortalecimento da atividade empresarial no País, bem como para o aumento da segurança jurídica relacionada aos negócios exercidos individualmente, tanto para o empresário como para seus credores. Palavras-chave: Empresa; Individual; Responsabilidade; Limitada.

ABSTRACT



This article presents a briefing study that was carried out about the newcomer Personal Enterprise with Individual Responsibility – “EIRELI”, which is an important institute device for business in Brazil and a new way to practice business in our Country. The goal of the study was to analyse this new kind of bond, inset in our set of laws for the recent legislation 12.441/2011, which changed the Civil Code and allowed the “EIRELI” institute considering the evolution of the Brazilian legal system and Brazilian Commercial Law changes, from the french theory of commerce acts to the Italian enterprise theory. The research has investigated the evolution debate about this teme, distinguishing “EIRELI” from other kinds of businessman and companies, and also analysing its particularities. The results of this work demonstrate the potential of the “EIRELI” and the need for a better understanding of the issue, so that the Note may fulfill the goals intended by lawmakers, contributing to strengthen business in Brazil and to certainty about business without partner, for businessman and companies and his creditors. Keywords: Enterprise; Individual; Reponsibility; Limited.

SUMÁRIO


1 Histórico – 1.1 Do infundado temor às fraudes, imputado à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e suas consequências práticas – 2 Retorno ao debate – 3 A Lei n. 12.441/2011 e as características da “EIRELI” – 4 Conclusão

SUMMARY


1 Historic – 1.1 The unfounded fear of fraud, imputed to Personal Enterprise with Individual Responsibility and his consequences– 2 Returning to debate – 3 The Legislation 12.441/2011 and the “EIRELI”´s features– 4 Conclusion

1 Histórico

Há muito se estuda e debate, no Brasil, a chamada “empresa individual de responsabilidade limitada”; razões outras, porém, sempre impediram a concretização desse pensamento. Houve até quem – integrantes, à época, da Comissão de Indústria, do Congresso Nacional –, alegando que seríamos “os inovadores, os iniciadores da audaz reforma do Direito Comercial”, se posicionou contra a ideia, esquecendo-se – ou ignorando – de que a história registra que, já em 1926, com fulcro na doutrina do jurista austríaco Oskar Pisco, o Principado de Liechtenstein introduzira em seu direito positivo o instituto da empresa individual de responsabilidade limitada.
Em nosso País, em 1947 e por intermédio do Projeto nº 201, de autoria do Deputado Freitas e Castro, tivemos a oportunidade de implantá-la, mas, por força de pareceres contrários das Comissões de Constituição e Justiça e de Indústria, do Congresso Nacional, perdeu-se excelente oportunidade. Defendia-se que a limitação dos riscos do, àquele tempo, comerciante individual, contrariava os princípios patrimoniais e que promover tal limitação significaria possibilitar fraudes na prática mercantil.

1.1 Do infundado temor às fraudes, imputado à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e suas consequências práticas

Caberia perguntar: acaso a forma societária já conhecida àquela época – sociedade por quotas, de responsabilidade limitada –, atualmente designada apenas sociedade limitada, por força do art. 1.052 do Código Civil de 2002, inibiu ou eliminou a possibilidade de fraudes? Por outro lado, e por si só, não induziu ou estimulou as temidas fraudes na prática mercantil.
Na verdade houve medo, temor, que está estampado no seguinte trecho do parecer da Comissão de Indústria: “Consideramos inconveniente, sumamente perigoso para o interesse dos que comerciam, estabelecer-se um tipo de empresa no qual o indivíduo, pondo em jogo apenas determinado capital, pode assumir compromissos que de muito superam a este. Se os seus bens particulares não ficam obrigados pelos atos praticados na direção da empresa, ele não terá, em muitos casos, a cautela e a diligência necessários aos que lidam com a fortuna alheia. (...) Seríamos, no caso, os inovadores, os iniciadores da audaz reforma do Direito Comercial. Não nos parece, pelas razões expostas, que ganharíamos fama ou tiraríamos proveito em fazê-lo.”
Despiciendo tal temor, pois bastaria criar dispositivos inibidores do abuso, da fraude, como se fez, v.g., nos arts. 10 e 11 da revogada Lei nº 3.708, de 10/1/1919, que regulava as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, que estabeleciam, in verbis:

“Art. 10. Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.

Art. 11. Cabe ação de perdas e danos, sem prejuízo de responsabilidade criminal, contra o sócio que usar indevidamente da firma social ou que dela abusar.”

Na década de 50, o Professor Antônio Martins Filho, Catedrático de Direito Comercial da Faculdade de Direito do Ceará e de Economia Política da Faculdade de Ciências Econômicas, lutou bravamente pela introdução do instituto em nosso Direito. Vãos, no entanto, foram seus esforços. Certa vez, porém, ele assim se manifestou:

“A empresa individual de responsabilidade limitada, constituindo a última fase do processo evolutivo da limitação dos riscos, é insistentemente reclamada pelos agentes da atividade econômica dos novos tempos. Recusando-a de direito, não evitará o legislador a existência, de fato, desse tipo de empresa, que passa a funcionar sob forma de sociedade fictícia ou unipessoal.”

E foi o que realmente aconteceu. Nas últimas décadas, viu-se inúmeras sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, em que um sócio detinha, v.g., 95% (noventa e cinco por cento) ou mais de seu capital social e o outro, apenas para compô-la, os restantes 5% (cinco por cento) ou menos. Na prática, verdadeiras sociedades unipessoais, hoje previstas, no Brasil, no art. 1.033, IV, da Lei nº 10.406, de 10/1/2002, e nos arts. 206, I, “d” da Lei nº 6.404, de 15/12/1976, cumulado com o art. 251 desse mesmo diploma legal, que trata da exceção destinada à chamada subsidiária integral, companhia constituída por escritura pública, tendo como único acionista uma sociedade brasileira. Foi a forma encontrada, no dia-a-dia, para se limitar a responsabilidade do único e verdadeiro empresário: o sócio majoritário.

2 Retorno ao debate

Passado um tempo, o pensamento voltou em 1991, quando, por louvável iniciativa do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), a Presidência da República encaminhou ao Congresso Nacional, em julho e agosto, nessa ordem, acompanhado de exposição de motivos assinada pelo então Ministro da Justiça, um projeto de lei sobre a “empresa mercantil e suas formas jurídicas” e outro sobre a “empresa individual de responsabilidade limitada”. Uma vez mais, porém, não houve progresso no assunto.
Em que pese nosso país ainda ter relevante parte de sua economia nas mãos da pequena empresa individual, a questão não foi enfrentada pelos legisladores do Código Civil de 2002 e assim, uma vez mais, perdeu-se a oportunidade de inserir tal instituto em nosso ordenamento jurídico.

3 A Lei n. 12.441/2011 e as características da “EIRELI”

Mas, finalmente, em razão do Projeto de Lei da Câmara nº 18/2011, de autoria do Deputado Marcos Montes, acaba de vir à luz em nosso País, por intermédio da Lei nº 12.441, de 11/7/2011, a “empresa individual de responsabilidade limitada”.
De início, cumpre notar, à vista de seus termos, que a “EIRELI” não se confunde com a chamada “firma individual”, denominação vulgar de “empresário individual”, previsto no art. 966 da Lei nº 10.406, que não é pessoa jurídica. Aliás, a própria Lei n. 12.441 evidencia tal diferença ao dar nova redação ao parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil em vigor. Pela leitura do referido artigo resta claro que não haverá dissolução prevista em seu inciso IV, caso “o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada”.
Outro ponto que merece destaque: a “EIRELI” se difere, também, da “microempresa” (ME) e da “empresa de pequeno porte” (EPP), definidas pelo art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14/12/2006; também não se confunde com o “pequeno empresário”, por força do disposto no art. 68 da mencionada Lei Complementar nº 123, e, muito menos, com o “microempreendedor individual – MEI”, definido no artigo 18-A, § 1º, dessa mesma Lei Complementar.
Finalmente, a “EIRELI” não pode ser confundida com as sociedades unipessoais previstas em nosso ordenamento jurídico. As de que cuidam os arts. 1.033, IV, da Lei nº 10.406/2002, e 206, I, “d”, da Lei nº 6.404/1976, são episódicas e temporárias, decorrentes do falecimento, retirada, exclusão de sócio; não nascem unipessoais nem podem permanecer assim. A subsidiária integral, de que trata o art. 251 da Lei nº 6.404, o é desde seu nascimento. Feitas tais observações e distinções, mister notar o que consta no art. 2º da Lei nº 12.441, que dá origem a estes breves comentários, a “empresa individual de responsabilidade limitada” terá as seguintes características básicas:

- será constituída por uma única pessoa – que deve ser natural - titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. A propósito, não parece estar bem o uso da expressão “capital social”, considerando que não se trata, na verdade, de uma sociedade. Tanto que o novel inciso IV do art. 1033 do Código Civil menciona expressamente: “a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada” – grifo nosso. Seria suficiente mencionar-se: “totalidade do capital”;

- o nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social. Considerando-se que se trata de empresa individual, não está bem, igualmente, cogitar de “denominação social”. Pensa-se que o mais adequado seria apenas a adoção de firma individual, observadas as regras dos arts. 1.156 e 1.163 da Lei nº 10.406/2002, acrescida da expressão “EIRELI”, exigida pela Lei 12.441/2011;

- poderá ser “constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza”. Nesse tocante, cumpre notar que a “EIRELI” poderá se dedicar, portanto, às atividades próprias da sociedade simples, ou seja, “intelectual, de natureza científica, literária ou artística”, nos termos do parágrafo único do art. 966 do Código Civil, não sendo destinada apenas e tão-somente às atividades empresariais;

- aplicando-se a ela, “no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”. Tal regra significa que, na verdade, não há – como nunca houve – motivo para preocupação quanto a eventuais e possíveis fraudes que poderiam ser facilitadas e praticadas por meio da empresa individual de responsabilidade limitada. Esse, o grande mito jurídico que há muito obstaculizou seu surgimento no Brasil.

4 Conclusão

Assim, exsurgem do texto legal in commentu as seguintes conclusões:

1. a empresa individual de responsabilidade limitada, sendo uma pessoa jurídica, vez que foi incluída no rol do art. 44 da Lei nº 10.406/2002, poderá ser registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou no Registro Público de Empresas Mercantis, conforme seja enquadrada no parágrafo único ou no caput do art. 966 da Lei nº 10.406. E considerando que a ela se aplica, “no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”, não há dúvida de que, em caso de abuso ou fraude, poder-se-á invocar a teoria da desconsideração ou do superamento da personalidade jurídica prevista no Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do Código Civil de 2002 e, assim, atingir-se o patrimônio pessoal de seu titular. Afinal, quem terá responsabilidade limitada é seu titular; não, a pessoa jurídica que ele assim constituir. Por essa possibilidade – aplicação da teoria da desconsideração ou do superamento da personalidade jurídica –, pensa-se não ser possível a constituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada por um menor que, é conhecimento de todos, pode participar de uma sociedade limitada, desde que esteja devidamente assistido ou representado, conforme o caso; que todo o capital social e, não apenas, a parcela do menor, esteja totalmente integralizado; e que ele não participe da administração da sociedade. Assim sendo, não terá ele, menor, sócio-quotista, condições de cometer abusos ou fraudes e, obviamente, não se poderá invocar contra ele a teoria da desconsideração ou do superamento da personalidade jurídica;

2. poderá, observada sua receita bruta anual, enquadrar-se como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006;

3. sendo microempresa, seu titular não poderá ser considerado “pequeno empresário” e muito menos “microempreendedor individual”, vez que seu capital, nos termos da Lei nº 12.441/2011, será bem superior ao valor da receita bruta máxima prevista para aqueles nos arts. 68 e 18-A, § 1º, respectivamente, da Lei Complementar nº 123;

4. dependendo da atividade econômica exercida, poderá recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional, hipótese que, talvez, não tenha sido pensada pelo autor do projeto e, muito menos, por nossos congressistas. Mas, para tanto, será necessário analisar com detenção o art. 17 da mencionada Lei Complementar nº 123;

5. a empresa individual de responsabilidade limitada não exclui, de forma nenhuma, a sociedade unipessoal, tal como vem sendo admitida em nosso Direito. Os dois institutos podem e devem, pois, coexistir.

A empresa individual de responsabilidade limitada é, pois, muito bem-vinda e, com ela, felizmente chegará ao fim no Brasil, espera-se, a era das sociedades fictícias ou de fachada – organizadas, sempre, em função do interesse uma só pessoa – que tinham, essas sim, grandes e muito boas possibilidades de praticar irreparáveis fraudes na prática mercantil.
Talvez tenha faltado exigir, para se evitar ainda mais a possibilidade de fraudes, prova da real existência do capital declarado, como se fez, por exemplo, no art. 80 da Lei nº 6.404, das Sociedades por Ações. Mas que isso não acontecesse apenas no momento da constituição; deveria perdurar por toda a existência da empresa individual de responsabilidade limitada que é caso típico de “patrimônio de afetação”. Vale dizer: o patrimônio afetado – o capital, no início do empreendimento e, depois, todos os bens, incluído o capital, da empresa individual de responsabilidade limitada – não se comunica com os outros bens, direitos e obrigações de seu titular. É esse patrimônio afetado que responderá, ilimitadamente, pelas obrigações da empresa individual de responsabilidade limitada. Isso não acontece com o empresário individual, previsto no art. 966 do Código Civil, pois ele responde ilimitadamente por todas as obrigações de sua “firma individual”.
De qualquer forma cabe lembrar, ainda, que sendo pessoa jurídica, a empresa individual de responsabilidade limitada responderá ilimitadamente por suas obrigações. Vale dizer: se for o caso, todo seu patrimônio – incluído o capital devidamente integralizado – será chamado para fazer frente àquelas obrigações. Limitada, recorde-se, será a responsabilidade de seu titular, que poderá, dependendo da situação, ter seu patrimônio pessoal atingido, em razão da aplicação, cabendo, da teoria da desconsideração ou do superamento da personalidade jurídica.
Que a empresa individual de responsabilidade limitada se constitua em mais uma forma de possibilitar o crescimento da economia nacional e, por esse caminho, favoreça, cada vez mais, melhor distribuição da riqueza no Brasil.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei n. 6.404/1976, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial, Brasília, 17 de dezembro de 1976.

BRASIL, Lei n. 10.406/2002, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial, Brasília, 10 de janeiro de 2002.
BRASIL, Lei n. 12.441/2011, de 11 de julho de 2011. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Diário Oficial, Brasília, 12 de julho de 2011.
ROCHA FILHO, José Maria. Em defesa da empresa individual de responsabilidade limitada. In: LIMA, Osmar Brina Corrêa (Coord.) Atualidades Jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p.167-174.

Artigo publicado na Revista de Direito Empresarial, Ano 8, n. 2, jul/dez de 2011, ISSN 1806-910-X. Editora Forum
Autor: Gustavo Ribeiro