Gustavo Ribeiro Rocha
RESUMO
No presente artigo realizou-se um sintético estudo, com breves comentários acerca da marca notoriamente conhecida, importante instituto de marca para a vida empresarial brasileira e estrangeira. Tem-se como objetivo analisar essa marca e os princípios da especialidade e da territorialidade. A pesquisa investigou a evolução histórica do debate sobre o tema e as consequências daí advindas, além da análise de suas particularidades. Palavras-chave: Marca notoriamente conhecida; Especificidade; Territorialidade.ABSTRACT
This article presents a briefing study that was carried out about the well-know trademark, which is an important institute of trademark device for business in Brazil and foreigner. The goal of the study was to analyse this trademark, and the principles of specificity and territoriality. The research has investigated the evolution debate about this teme and also analysing its particularities. Keywords: Well-know trademark; Specificity; Territoriality.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que desde a antiguidade o homem se utiliza de sinais específicos não somente para se comunicar, como também para indicar a procedência das mercadorias. Na Grécia e em Roma, era comum que ânforas e vasos fossem assinalados, a fim de se promover a indicação da procedência de certo produto, v.g., azeite ou vinho que continham, ou até mesmo indicar a procedência do próprio recipiente. Essa prática – uso de sinais e marcas nos bens materiais – gradativamente se difundiu entre as nações, a ponto de ser interpretada como fator básico para a comercialização de um determinado produto ou de uma determinada mercadoria. Atualmente, verifica-se que tal prática chegou, em certos casos, a fazer com que, popularmente, a marca converta-se, ainda que apenas vulgarmente, em sinônimo do próprio produto ou mercadoria . Juridicamente, entende-se por marca – da análise dos arts. 122 e 124 da Lei n. 9.279/96 , que regula o tema em nosso País –, qualquer sinal distintivo visual, nominativo, figurativo ou misto, tridimensional ou não, que identifica um produto ou um serviço. Da leitura desses artigos, infere-se que marca não deve ser confundida com as propriedades físicas – exceto a forma, no caso de marca tridimensional – ou químicas do produto ou mercadoria. Quando devidamente registrada perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, a marca assegura ao seu titular a propriedade e o direito de uso exclusivo, conforme disposto no art. 129, da Lei n. 9.279/96, em conjunto com o art. 5º, XXIX, da Constituição da República , constituindo um bem móvel, de valor real. Disso decorrem os direitos e deveres previstos na referida Lei de Propriedade Industrial. A marca registrada possui, portanto, proteção jurídica e valor econômico, constituindo-se em ativo do seu titular, frequentemente, um empresário. O direito sobre a marca é patrimonial e tem por objeto bens incorpóreos ou imateriais, mas deve-se considerar, nessa proteção, que o registro da marca é concedido, no Brasil, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI para classes específicas de produtos ou serviços, segundo as atividades do titular. Assim, um determinado vocábulo, v.g., Trono, pode figurar, a priori, em marcas diversas e ser registrado em nome de diferentes titulares, desde que se aplique a produtos ou serviços também diversos e com elementos figurativos suficientemente distintivos, v.g., Trono Sofás, Trono Logística etc., salvo se tratar de marca alto renome , caso em que terá, no Brasil, uma proteção especial, em todos os ramos de atividade, desde que assim reconhecida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. De igual forma, uma palavra utilizada em uma marca por uma Construtora, por exemplo, para identificar seus serviços de construção civil, não sendo de alto renome, pode perfeitamente ser registrada para identificar um produto diverso, v.g., um instrumento musical, sem que haja conflito.
2. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA
A propriedade de uma marca e o uso exclusivo são assegurados apenas no território nacional, conforme dispõe o art.129, da Lei n. 9.279/96 , evidenciando um direito patrimonial, territorial e monopolístico, que serve não somente para identificar produtos ou serviços, como também e, especialmente, para evitar a concorrência desleal, protegendo o consumidor. Assim, consegue-se, concomitantemente, resguardar o trabalho e a clientela do empresário em todo o território nacional. Conforme lição de Rodrigues: “a marca é um bem patrimonial: ela está vinculada, desde ao nascer, à personalidade daquele que a criou e ocupou mercê do esforço e do trabalho. O seu fundamento, portanto, está indiscutivelmente na teoria do direito da propriedade, isto é, na ocupação das coisas.” Tal proteção, a priori, restringe-se ao território nacional, em razão da territorialidade. Silveira assim define esse princípio: “O princípio da territorialidade significa que a existência e a proteção de uma marca encontra-se limitada ao território do Estado que a concedeu, ou seja, a proteção nacional e a internacional de um mesmo sinal são totalmente independentes, sendo irrelevante a coincidência de seus titulares ou não. Assim, a situação jurídica da marca no estrangeiro e o direito alienígena não afetam, pelo menos diretamente, o direito nacional ou as decisões nele calcadas.” Mas, considerando o intenso comércio internacional, mister notar que uma marca registrada no exterior pode gozar de proteção em território brasileiro, da mesma forma que o titular de uma marca registrada perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, pode invocar proteção em outro país, conforme previsto, dentre outros documentos internacionais, na Convenção da União de Paris. Nesse ponto, importante ter-se em mente o conceito de marca “notoriamente conhecida”, definida no art. 126, da Lei n. 9.279/96 . Afinal, ela é a que, nos termos do art. 6º, bis (I), da Convenção da União de Paris , é por todos conhecida em seu ramo de atividade e que, por isso, goza de proteção especial, nesse seu ramo de atividade, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. Afinal, a Convenção da União de Paris “instituiu e regulou internacionalmente o sistema da propriedade industrial” . Na referida Convenção, vê-se a reciprocidade de tratamento entre os países signatários: “Art. 2º. Os cidadãos de cada um dos países contratantes gozarão em todos os demais países da União, no que concerne à proteção da propriedade industrial, das vantagens que as respectivas leis concedem atualmente ou vierem posteriormente a conceder aos nacionais, tudo isso sem prejuízo dos direitos especialmente previstos pela presente Convenção. Em virtude desta disposição terão eles a mesma proteção que estes e o mesmo recurso legal contra qualquer prejuízo causado aos seus direitos, mediante o cumprimento das condições e formalidades impostas aos nacionais.” No Brasil, assim como em outros ordenamentos, vigora o sistema constitutivo ou atributivo. Por ele, o registro da marca e, não, a sua utilização anterior, é que constitui o direito a sua propriedade e ao seu uso exclusivo. É titular do direito, portanto, o primeiro a registrá-la, nos termos do já mencionado art. 129, caput, da já mencionada Lei n. 9.279/96. O direito à marca, então, decorre da lei. E o “direito de precedência” ou “direito do usuário anterior”, previsto no § 1º desse mesmo art. 129 – “precedência ao registro” – , não autoriza outra conclusão, em sentido contrário. E para evitar a ação de oportunistas, o legislador estabeleceu, precavidamente, que esse “direito de precedência” só pode “ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento” (art. 129, § 2º) . Mas, conforme lição de Paes, a Convenção da União de Paris protege aquele que tiver depositado regularmente uma marca em qualquer dos países signatários, conferindo-lhe um direito de prioridade de 6 (seis) meses, de forma que “como corolários deste direito prioritário, os fatos intercorrentes e ocorridos neste lapso de tempo (entre o primitivo depósito em país unionista e o depósito no Brasil) não influirão na novidade do objeto do pedido.” Diante disso, vê-se, com certa facilidade, mesmo no caso da marca notoriamente conhecida, a importância desses princípios. Pelo disposto no art. 126, da Lei n. 9.279/96, fica evidente que ela está diretamente relacionada a um ramo de atividade e, por ser conhecida nesse ramo, goza de proteção especial, mesmo sem registro prévio perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI; tanto que essa autarquia pode indeferir pedido de registro de marca que “reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida”. Dessa maneira, podemos entendê-la como sendo uma marca conhecida de urna grande parte do público consumidor, cabendo notar algumas questões interessantes, como por exemplo: “se o produto ou serviço for de grande consumo, a marca deve ser conhecida do grande público; se o produto ou serviço for de consumo específico, a marca deve ser conhecida de grande parte do público interessado nesse produto ou serviço” . Resta evidente que a marca notoriamente conhecida é exceção ao princípio da territorialidade. Sobre isso, cumpre notar que o mencionado art. 6.° bis da Convenção da União de Paris visa isentar a marca notoriamente conhecida do princípio da territorialidade, mas não do princípio da especialidade. Não obstante, algo que se tem questionado é se ela também poderia ser exceção a esse segundo princípio – especialidade –, pois, conforme disposto no n.° 3 do art. 16.°, do ADPIC/TRIPS , pode-se concluir que o titular de uma marca notoriamente conhecida – considerando que esta foi devidamente registada no país de origem –, teria o seu direito ampliado, podendo se opor ao registo, pedir a nulidade do registo ou pleitear a proibição do uso de marca destinada a produtos ou serviços diferentes, desde que haja relação entre esses produtos ou serviços e que tal ato seja suscetível de prejudicar os seus interesses. A partir de tal disposição, pode-se considerar, num primeiro momento, a possibilidade de a marca notoriamente conhecida ter sua proteção expandida não somente do ponto de vista da territorialidade, como para além do princípio da especialidade, de maneira que tal ampliação a aproximaria da marca de alto renome. Diz-se isso porque, nessa hipótese e de acordo com n.° 3 do art. 16.° do ADPIC/TRIPS, a marca notoriamente conhecida gozaria de uma proteção especial em todos os ramos de atividade, passando a ser, tal como a marca de alto renome, exceção ao princípio da especialidade. Contudo, cumpre notar a oportuna a observação do Prof. português Luis Gonçalves, ao explicar que “na verdade, se esta [notoriamente conhecida] é conhecida apenas junto dos meios interessados nao faz muito sentido protegé-la para além do principio da especialidade” (sic), sob pena de, continua o referido autor, “a marca [notoriamente conhecida] conseguía pelo direito aquilo que nem alcanzara pelo mercado, isto é, um círculo de protecçáo jurídica superior ao círculo de afirmaçáo económica.” (sic). Isso, no Direito estrangeiro, pois a Lei de Propriedade Industrial brasileira, nos mencionados arts. 125 e 126, dispõe sobre a clara distinção entre as marcas notoriamente conhecida e de alto renome, evidenciando que, pelo menos até agora, nosso legislador “não seguiu o caminho do alargamento da proteção à marca notoriamente conhecida para todos os ramos de atividade, tal como proposto pelo art. 16, n. 3, do TRIPs.” Considerando-se a legislação brasileira anterior, relativa às marcas, vê-se que as marcas de alto renome e notoriamente conhecida são um desdobramento da antiga marca notória, que era aquela que, estando registrada no Brasil, era conhecida pela sociedade e que, por isso mesmo, tinha prestígio que transcendia seu segmento mercadológico e ensejava, assim, concorrência parasitária em todas as classes de produtos e serviços. Mas, para tanto, além de ser conhecida em todo o território nacional, ela tinha que ser declarada “notória” – via registro especial pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Essa posição do Brasil era duramente criticada, vez que, signatário da Convenção da União de Paris, não se conseguia explicar – a não ser pela voracidade arrecadadora – a razão daquele registro especial. Hodiernamente, se o titular de uma marca notoriamente conhecida quiser que ela tenha, no Brasil, proteção em todos os ramos de atividade e, assim, seja guindada à posição de marca de alto renome, deverá providenciar, quanto antes, seu registro pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Caso contrário, terá proteção apenas em seu ramo de atividade. Apesar do disposto no art. 16, n. 3, do TRIPs, é bom recordar a questão de sua aplicação no Direito Interno, pois ele é um "tratado-contrato" e, não, um "tratado-lei", de maneira que não se aplica imediatamente aos particulares, constituindo apenas padrões mínimos de proteção a ser implementados livremente pelos Estados-membros participantes, em cada um de seus ordenamentos jurídicos. Porém, a jurisprudência nacional mantém a distinção entre as marcas de alto renome e notoriamente conhecida, veja-se: “[...] A ressalva que se faz diz respeito à marca notória (art. 67 do referido código), assim declarada pelo INPI, hoje intitulada de alto renome (art. 125 da Lei n. 9.279/1996), à qual se dá tutela especial, em todos os ramos de atividade, quando previamente registrada no Brasil (exceção ao princípio da especificidade). Tal espécie não deve ser confundida com a marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade (art. 6° da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial – CUP e art. 126 da Lei n. 9.279/1996), que goza de proteção especial independentemente do depósito ou registro no país, porém restrita a seu ramo de atividade (exceção ao princípio da territorialidade)” (STJ, REsp 658.702-RJ, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 29/6/2006, Informativo 290/2006) – grifo nosso. Afinal, a marca que goza de proteção especial em qualquer ramo de atividade, evidenciando ser exceção ao princípio da especificidade ou especialidade, é tão somente a de alto renome, cabendo ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI declará-la como tal. Vejamos o disposto no art. 2º da Resolução 177/2013, que estabelece a forma de aplicação do art. 125, da Lei 9.276/96: “Art. 2º A fim de poder gozar da proteção conferida pelo art. 125 da LPI, o titular de marca registrada no Brasil deverá requerer ao INPI o reconhecimento da alegada condição de alto renome de sua marca, por meio de petição específica, instruída com provas em idioma português.” – grifo nosso. Por oportuno, veja-se a seguinte decisão, exarada pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre a questão: “DIREITO EMPRESARIAL. MARCA. MARCA DE ALTO RENOME. ATRIBUIÇÃO DO INPI. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, cabe ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI e não ao Poder Judiciário examinar se determinada marca atende aos requisitos para se qualificar como “marca de alto renome” e assim, na forma do artigo 125 da LPI, excepcionar o princípio da especialidade para desfrutar de proteção em todas as classes.” (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1165653-RJ, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 17/9/2013, Dje 2/10/2013) – grifo nosso. Dessa forma, em nosso País, a marca notoriamente conhecida constitui exceção ao princípio da territorialidade tão somente, sem nenhuma alteração ou privilégio quanto ao princípio da especialidade, vez que vigora a distinção entre os conceitos de marcas de alto renome e notoriamente conhecida. Por essa simples razão, Baiocchi explica que “para que o alargamento da proteção proposto no n. 3 do art. 16 do TRIPs tenha eficácia no sistema jurídico brasileiro será necessária uma alteração na LPI expressamente neste sentido” , com o que estamos de acordo, de forma que a marca notoriamente conhecida, tal como é hoje no Brasil, é exceção apenas ao princípio da territorialidade. Esclarecida essa questão, vejamos, a seguir, um caso interessante, decidido pelo Centro de Arbitragem e Mediação, envolvendo uma marca devidamente registrada no exterior, cujo titular invocou proteção a ela no Brasil, por ser notoriamente conhecida em seu ramo de atividade, para obtenção de nome de domínio diretamente relacionado à marca notoriamente conhecida.
3. O CASO ZOCDOC
Caso n. DBR2012-0008 - ZocDoc Reclamante: ZocDoc, Inc. v. Cidio Halperin, de Nova Iorque, Estados Unidos da América. Reclamado: Cidio Halperin, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Especialista: Luiz E. Montaury Pimenta A Reclamante é a pessoa jurídica ZOCDOC, INC, constituída em 2007, que se dedica à prestação de serviços online de informação sobre médicos e agendamento de consultas, além de assistência médica. Ela é titular de uma marca, devidamente registrada no exterior, e invocou proteção à sua marca no Brasil, alegando que aquela é notoriamente conhecida em seu ramo de atividade médica. A invocação de proteção no Brasil teria sido necessária, porque a Reclamante tomou conhecimento da existência de um domínio de sítio eletrônico, do Reclamado, que estaria causando concorrência desleal, advinda de um nome de domínio com a indicação “.br” que, supostamente, viola o direito marcário do titular estrangeiro, o que poderia impedir que a Reclamante usufruísse sua marca em um nome de domínio “.br”. A Reclamante também é do nome de domínio <zocdoc.com>, registrado em julho de 2008, bem como do registro marcário n. 3.408.771, registrada perante o USPTO em 8/4/2008, além de vários registros marcários, em outros países. No Brasil, é titular do pedido de registro marcário n. 831.172.770, depositado em 27/12/2011, na classe 44 . O nome de domínio em disputa é o <zocdoc.com.br>, que foi registrado em 2011, pelo Reclamado. Esse nome de domínio em disputa, ao ser digitado, redireciona ao sítio de rede eletrônica “www.zapsaude.com.br”. Em 2012, a Reclamante enviou notificação extrajudicial ao Reclamado, que refutou os direitos da Reclamante sobre a marca ZOCDOC no território brasileiro. Iniciado o procedimento junto ao Centro de Arbitragem e Mediação, a Reclamante alegou que tanto ela, como a sua marca ZOCDOC, têm notoriedade perante os profissionais da área médica, não só no exterior, como também no Brasil, que está em 5° lugar no ranking dos países que mais acessam o sítio “www.zocdoc.com’’, da Reclamante. Além disso, a Reclamante indicou reportagens nacionais sobre sítios brasileiros de rede eletrônica, inspirados em seus serviços, tais como “Dr. Busca” e “YepDoc”, além de reportagens veiculadas no exterior, em renomados veículos de mídia com alcance global, evidenciando que o seu serviço e as notícias relevantes sobre ele estão disponíveis na Internet e acessíveis, portanto, a brasileiros. Assim, alega que sua marca é notoriamente conhecida no segmento médico em âmbito internacional, inclusive no Brasil, angariando desta forma a proteção conferida pelo art. 6 bis da Convenção da União de Paris. Alega, outrossim, que o nome de domínio em disputa <zocdoc.com.br> reproduz sua marca notoriamente conhecida ZOCDOC, bem como a parcela nuclear de seu nome empresarial, “ZocDoc, Inc.” e o elemento central de seu nome de domínio <zocdoc.com>. Diante disso, a Reclamante sustenta que o nome de domínio em disputa foi registrado pelo Reclamado com má fé, pois este não poderia desconhecer sua marca, mesmo porque é médico, tem dois blogs sobre temas médicos – atuando tanto na área da saúde quanto na área de Internet –, de forma que não poderia alegar ignorar a Reclamante e sua marca ZOCDOC. Tais constatações evidenciariam que o Reclamado teria registrado o nome de domínio em disputa com o intuito de desviar usuários de Internet para suas próprias páginas. A Reclamante alega, também, que o Reclamado é titular do nome de domínio <clickconsulta.com.br>, com oferecimento de serviços semelhantes aos da Reclamada, o que, segundo ela, seria mais uma evidência do conhecimento do Reclamado acerca do mercado de sítios de rede eletrônica de agendamento de consultas médicas on line e da marca da Reclamante. A Reclamante sustenta que o registro de marca notoriamente conhecida, por si só, levaria a uma presunção de má fé, citando precedentes de decisões proferidas por painéis administrativos da OMPI. Em sua defesa, o Reclamado questionou a suposta comprovação de que a marca ZOCDOC seja notoriamente conhecida no Brasil, e que a Reclamante depositou seu pedido de registro de marca, perante o INPI, após o registro do nome de domínio em disputa e que não agiu com má fé. Ele também afirmou desconhecer a Reclamante e sua marca ZOCDOC. Alegou que, ao tempo do registro, teria registrado diversos outros nomes de domínio, todos inventados por ele, e que não possuiriam nenhuma relação com atividades de terceiros. O especialista decidiu que a Reclamante apresentou provas suficientes de que sua marca ZOCDOC é notoriamente conhecida em seu ramo de atividade internacionalmente, inclusive no Brasil, entendendo que o uso local da marca não é requisito para aferição de sua notoriedade, bastando que fique configurado que a marca é conhecida de forma relevante no país onde se requer a proteção. Segundo ele, as reportagens veiculadas pela Internet servem para demonstrar a notoriedade da marca ZOCDOC no Brasil, por ser um meio de comunicação de alcance global. O Especialista destacou que embora as reportagens veiculadas no Brasil tenham sido publicadas após o registro do nome de domínio em disputa, todas elas apontam a Reclamante e seus serviços como “modelo”, “referência” ou “inspiração” para serviços semelhantes lançados no Brasil, deixando claro o alcance e notoriedade da marca no país, especialmente entre os profissionais da área médica, o que comprova que a marca já era notoriamente conhecida no Brasil à época do registro do nome de domínio em disputa. E concluiu: “Diante do exposto, tendo em vista: (i) a notoriedade da marca da Reclamante no Brasil neste segmento de mercado; (ii) a comprovada atuação do Reclamado tanto na área médica quanto na área de Internet; e (iii) o registro por parte do Reclamado do nome de domínio <clickconsulta.com.br> (que sugere que o Reclamado ambiciona desenvolver serviços semelhantes aos oferecidos pela Reclamante que, conforme vasta documentação, vem sendo usados como “modelo” ou “referência” para sítios de rede eletrônica semelhantes criados no Brasil) e do nome de domínio <zapsaude.com.br>, sob o qual está hospedado sítio da Internet no qual há mensagem informando que o Reclamado está desenvolvendo “serviço de busca, agendamento e pagamento de serviços de saúde”, ou seja, os mesmos serviços oferecidos pela Reclamante, este Especialista não pode acolher o argumento de que o nome de domínio em disputa teria sido simplesmente “inventado” pelo Reclamado. Este Especialista entende que tal fato transbordaria os limites aceitáveis de “coincidências criativas”, dadas as peculiaridades do caso e os fatos acima destacados. Principalmente em vista da atuação do Reclamado nas áreas da medicina e da Internet e o desenvolvimento de serviço idêntico ao da Reclamante, pioneira mundial na área, este Especialista entende que é improvável e virtualmente impossível que o Reclamado desconhecesse a marca da Reclamante no momento do registro do nome de domínio em disputa. Na opinião deste Especialista, restou configurado que o Reclamado registrou o nome de domínio em disputa para impedir que a Reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente e com o objetivo de prejudicar a sua atividade comercial. [...] Pelas razões anteriormente expostas, de acordo com art. 1(1) do Regulamento e art. 15 das Regras, este Especialista determina que o nome de domínio em disputa <zocdoc.com.br> seja transferido à Reclamante.” Apesar disso, cumpre ressaltar que, a partir da leitura do inciso XXIII, do art. 124, da LPI , pensamos que o legislador buscou ampliar, igualmente, a proteção de marcas notoriamente conhecida e de alto renome contra atos de concorrência desleal praticados através do chamado aproveitamento parasitário da fama de marca alheia, conforme Ato Normativo 123/1994 do INPI . Há julgado, inclusive, indicando isso expressamente: [...] para efeito de proteção não há motivo para distinguir marca notória e de alto renome, porque, no fundo, a intervenção da requerida no campo mercadológico referido coloca em dúvida o valor da especialidade, porque as duas litigantes atuam no mesmo ramo de atividade, o que é prejudicial para o consumidor [confusão na escolha].” (TJSP, 4ª Câm. de Direito Privado, Ap. Cív. n. 504.037-4/8, rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 19/2/2009). Em que pese tal entendimento, ele não autoriza afirmar, em nosso ponto de vista, que a marca notoriamente conhecida seja exceção também ao princípio da especialidade, equiparando-se à de alto renome apenas quanto à proteção conferida a ambas.
4. CONCLUSÃO
Por todo o exposto neste artigo, percebe-se que por mais que se queira, no plano internacional, ampliar a proteção conferida à marca notoriamente conhecida, a fim de que não se restrinja à questão da territorialidade, mas que também ultrapasse a especialidade, conclui-se que, no Brasil, nos termos da legislação vigente, não é possível tal extensão relacionada à especialidade, vez que a ressalva a tal princípio não se coaduna com a definição legal de marca notoriamente conhecida, relacionando-se unicamente com a marca de alto renome, que, conforme explicitado alhures, não se confunde com aquela, seja na definição legal, seja na declaração pelo órgão incumbido do registro marcário no Brasil – Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI –, de forma que hodiernamente, conclui-se: no Brasil, a marca notoriamente conhecida é exceção, unicamente, ao princípio da territorialidade.
REFERÊNCIAS BAIOCCHI, Enzo. Breves considerações acerca do princípio da especialidade no direito de marcas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 164-165, janeiro/2013, p. 123-159. GONÇALVES, Luís M. Couto. Merchandising de marcas. In: Actas de Derecho Industrial y Derecho de Autor. Tomo XX, 1999. PAES, P. R. Tavares. Nova Lei da Propriedade Industrial. São Paulo: RT, 1996, p. 14. RAMOS, André Luiz Santa Cruz; GUTERRES, Thiago Martins. Lei de Propriedade Industrial Comentada. Salvador: JusPodivm, 2016. ROCHA FILHO, José Maria; ROCHA, Gustavo Ribeiro. Curso de Direito Comercial – Teoria Geral da Empresa, Direito Societário e Títulos de Crédito. Belo Horizonte: D´Plácido, 2017. RODRIGUES, Clóvis Costa. Concorrência desleal. Rio de Janeiro: Editorial Peixoto S/A, 1945, p. 109. SILVEIRA, Newton. A obrigação de exploração de propriedade industrial e a exaustão de direitos. In: Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia. DEL NERO, Patrícia Aurélia (Coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 101-119.
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