Escritório Artigos Profissionais Publicações Contato Blog

A NOVA ORDEM PREFERENCIAL DE BENS PENHORÁVEIS E OS IMPACTOS NA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Gustavo Ribeiro Rocha


RESUMO


No presente artigo realizou-se um sintético estudo, com breves comentários acerca da penhora na vida do empresário, considerando a nova legislação processual civil (L. 13.108/2015). A pesquisa investigou a evolução histórica do debate sobre o tema, além da análise de suas particularidades. O resultado do presente trabalho demonstra a necessidade de um melhor entendimento sobre o tema, para que cumpra os objetivos almejados pelo legislador, contribuindo para o fortalecimento da atividade empresarial no País, bem como para o aumento da segurança jurídica relacionada aos negócios, tanto para o empresário como para seus credores.
Palavras-chave: Empresa; Penhora; Responsabilidade; Empresário.


ABSTRACT


This article presents a briefing study that was carried out about the garnishment in businessman´s life, for the recent legislation n.13.108/2015. The research has investigated the evolution debate about this teme, and also analysing particularities. The results of this work demonstrate the need for a better understanding of the issue, so that the note may fulfill the goals intended by lawmakers, contributing to strengthen business in Brazil and to certainty about business, for businessman and companies and his creditors.
Keywords: Enterprise; Garnishment; Reponsibility; Businessman.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO – 1. DA PENHORA – 2. A NOVA ORDEM PREFERENCIAL DE BENS PENHORÁVEIS – 2.1. DINHEIRO, TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS – 2.2. VEÍCULOS TERRESTRES, BENS IMÓVEIS, BENS MÓVEIS, SEMOVENTES, NAVIOS E AERONAVES – 2.3. QUOTAS OU AÇÕES DE SOCIEDADES SIMPLES EMPRESÁRIAS – 2.4. FATURAMENTO – 2.5. OUTROS DIREITOS – CONCLUSÃO – REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

Tendo como pensamento norteador tratar sobre a penhora com ênfase no novo Código de Processo Civil e seus impactos no Direito Comercial, entendemos ser importante conciliar a visão acadêmica com a prática advocatícia, pois em ambos os casos, o tema central deste capítulo merece uma detida reflexão pelos profissionais da Ciência do Direito.
Desde o limiar deste capítulo, esclarecemos que não temos o objetivo de aprofundar no conceito, histórico e outros aspectos doutrinários acerca da penhora, afetos ao Direito Processual Civil. Também não abordaremos todos bens que, por disposição expressa em Lei, são considerados penhoráveis, nem as razões para todas as ressalvas relacionadas aos bens impenhoráveis. Buscaremos analisar a penhora na vida do devedor empresário, tanto individual como coletivo, de forma crítica, simples e clara, relacionando o aspecto material do Direito Comercial com a essência processual do instituto, sem, contudo, a pretensão de esgotar o tema, que tem diversos matizes, não somente comerciais, como também processuais.

1. DA PENHORA


A penhora pode ser conceituada como um procedimento de constrição judicial, direcionado ao patrimônio do devedor, por meio do qual um ou mais bens de seu patrimônio são individualizados, ficando sujeitos à execução e, dessa forma, passíveis de serem utilizados para pagamento da dívida cobrada na ação, contribuindo decisivamente para a eficácia do art. 789, do Código de Processo Civil, que dispõe que o “devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei” e consagra o princípio da responsabilidade patrimonial do devedor.
Efeito relevante dela, para nosso estudo, é a indisponibilidade do bem objeto de penhora, vez que realizada esta, o devedor não terá mais o poder de dispor daquele bem, sob pena de eventual disposição não produzir efeito perante a execução. Com relação à posse do bem, deve ser nomeado seu depositário, que se responsabilizará por sua conservação, até o momento da alienação ou adjudicação, visando à satisfação do credor. Muitos dos bens de que trataremos neste capítulo terão como ponto em comum a manutenção da posse pelo próprio empresário – mesmo porque o que confirma a realização da penhora é a lavratura do seu auto ou termo, sem necessidade imperiosa de remoção e depósito do bem – mas, o empresário “terá a posse na condição de depositário, não podendo dela [da coisa] se utilizar livremente, ou perceber inadvertidamente os frutos do bem etc.” (MARINONI: 2007).

2. A NOVA ORDEM PREFERENCIAL DE BENS PENHORÁVEIS


O art. 655, do Código de Processo Civil/1973, dispunha sobre a ordem preferencial para penhora de bens, a saber: I) dinheiro, em espécie ou depositado ou aplicado em instituição financeira; II) veículos terrestres; III) bens móveis em geral; IV) bens imóveis; V) navios e aeronaves; VI) ações e quotas de sociedades empresárias; VII) percentual do faturamento da empresa devedora; VIII) pedras e metais preciosos; IX) títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal, com cotação em mercado; X) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI) outros direitos.
Comparando o referido dispositivo, com o disposto no novo Código de Processo Civil, percebe-se, mesmo em uma leitura superficial, que o legislador dedicou não somente um artigo para tratar desses bens e da ordem preferencial – alterando essa ordem, nos termos do art. 835 –, como também dedicou subseções para tratar separadamente dos bens penhoráveis. Passemos à análise, pois, desses dispositivos, a começar pelo quadro comparativo da ordem de preferência da penhora, para melhor visualização das diferenças na ordem dos bens:
Art. 655, do CPC/1973 Art. 835, do CPC/2015 I) dinheiro, em espécie ou depositado ou aplicado em instituição financeira I) dinheiro, em espécie ou depositado ou aplicado em instituição financeira II) veículos terrestres II) títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal, com cotação em mercado III) bens móveis em geral III) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado IV) bens imóveis IV) veículos terrestres V) navios e aeronaves V) bens imóveis VI) ações e quotas de sociedades empresárias VI) bens móveis em geral VII) percentual do faturamento da empresa devedora VII) semoventes VIII) pedras e metais preciosos VIII) navios e aeronaves IX) títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal, com cotação em mercado IX) ações e quotas de sociedades simples empresárias X) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado X) percentual do faturamento de empresa devedora XI) outros direitos XI) pedras e metais preciosos XII) direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia XIII) outros direitos
O quadro acima permite-nos comparar a antiga e a nova ordem de bens preferencialmente penhoráveis, buscando entender as razões que levaram o legislador a promover tais mudanças, vez que devemos partir da premissa de que a intenção é “conciliar os interesses e os direitos contrapostos do exequente e do executado” (BUENO: 2008), pois essa ordem legal deve ser levada em consideração e observada, como regra geral, no devido processo legal, conforme se vê do § 1o, , do mencionado art. 835 , que faculta ao juiz alterar a ordem legal, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto. Isso evidencia que tal ordem deve ser observada preferencialmente, sem rigidez; não, obrigatoriamente, justamente pelas particularidades de cada caso, a demandar, eventualmente, inversão na ordem dos bens, visando à efetiva tutela jurisdicional, sem impor onerosidade desnecessária ao executado.

2.1. Dinheiro, títulos e valores mobiliários


É fácil perceber que a penhora de dinheiro continua sendo prioritária, nos termos do referido § 1o, do art. 835. Certamente, a liquidez do dinheiro em espécie é inquestionável e, por isso, nada mais natural que permaneça em primeiro lugar na lista, tal como já ocorria ao tempo do Código de Processo Civil/1973. Contudo, mister notar que a penhora prioritária de dinheiro significa valores em espécie ou depositados em instituição financeira, bem como aplicações junto a essas instituições.
Dessa maneira, os bens indicados no inciso I não devem ser confundidos com os títulos com cotação no mercado ou com os valores mobiliários, que dão continuidade à lista dos bens penhoráveis. Por isso, esses títulos ou valores mobiliários não podem ser incluídos em primeiro lugar na ordem legal de preferência da penhora, conforme decidido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a penhora de fundos de investimento , que se tiverem cotação em Bolsa, poderão ser considerados no inciso III, do art. 835. Porém, pensamos não ser adequado inserir, generalizadamente, os fundos de previdência privada (PGBL e VGBL) nas hipóteses previstas no inciso III, pois além de não necessariamente ter cotação em mercado, podem não ser considerados aplicação financeira, e, sim, verba alimentar, sendo, nesse caso, impenhorável. Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS DETERMINADA À LUZ DO ART. 36 DA LEI 6.024/74. SALDO EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. PGBL. NATUREZA ALIMENTAR CARATERIZADA NA ESPÉCIE. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. CONFIGURADA DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA IMPOSTA. 1. Ação civil pública distribuída em 06/09/2005, da qual foi extraído o presente recurso especial. 2. O regime de previdência privada complementar é, nos termos do art. 1º da LC 109/2001, "baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal", que, por sua vez, está inserido na seção que dispõe sobre a Previdência Social. 3. Embora não se negue que o PGBL permite o "resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante" (art. 14, III, da LC 109/2001), essa faculdade concedida ao participante de fundo de previdência privada complementar não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente. 4. Por isso, a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. 649, IV, do CPC. 5. Outrossim, ante as peculiaridades da espécie (curto período em que o recorrente esteve à frente da instituição financeira, sem qualquer participação no respectivo capital social), não se mostra razoável impor ao recorrente tão grave medida, de ter decretada a indisponibilidade de todos os seus bens, inclusive do saldo existente em fundo de previdência privada complementar - PGBL. 6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3 T., REsp 1121426-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ o Acórdão Min. Nancy Andrighi, 11/3/2014, DJe 20/3/2014).
Mas, frisa-se que o Superior Tribunal de Justiça tem dado mostras de que, casuisticamente, tal impenhorabilidade pode ser revista:
"Por isso, a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. 649, IV, do CPC." (STJ, 2ª Seção, EREsp 1121719/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 12/2/2014, DJe 4/4/2014).
É compreensível esse debate, vez que ainda persistem questões sem definição jurisprudencial. Como entender essa acumulação do capital? É mera aplicação financeira, visando à remuneração do capital investido, ou tem caráter previdenciário? Sua natureza é alimentar? Além disso tudo, entendemos que, também, deve-se verificar se o montante investido é substancial, a ponto de justificar a penhora, ou se, até mesmo, indica alguma intenção de fraudar credores. E tal questão é relevante, no tema central desse artigo, especialmente no caso do empresário individual, da pessoa natural titular de EIRELI, bem como dos sócios que, eventualmente, sejam responsabilizados por dívidas da sociedade.
Pensamos que da mesma forma que a pessoa natural goza de algumas proteções, v.g., valores depositados em poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos (CPC, art. 833, X), também quanto ao empresário deve-se ter em mente situações que possam ser reconsideradas quanto à penhora, tal como a de fundos de previdência privada, tal como exposto acima, como também as que possam inviabilizar a continuidade da empresa, v.g, a penhora de todo o capital de giro, concomitantemente com um alto grau de endividamento do empresário, por exemplo, apesar de a penhora de dinheiro também não se confundir com a penhora do faturamento, conforme se depreende do art. 854, do Código de Processo Civil , ao dispor que a penhora será de “dinheiro em depósito ou em aplicação financeira”, de forma a tornar “indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução”.

2.2. Veículos terrestres, bens imóveis, bens móveis, semoventes, navios e aeronaves

No tocante a veículos terrestres, bens imóveis, bens móveis, navios e aeronaves sofreram pouca reclassificação, e, juntamente com os semoventes, serão abordados conjuntamente, com a questão do estabelecimento. Mas, percebe-se que o nosso legislador priorizou outros bens, tais como títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal, com cotação em mercado, bem como títulos e valores mobiliários com cotação em mercado, por terem, a priori, maior liquidez, pela possibilidade de um bom número de interessados em adquirir tais títulos, bem como pela facilidade de avaliação e de circulação.
Voltando aos veículos terrestres, bens imóveis, bens móveis, semoventes, navios e aeronaves, cumpre notar a questão do estabelecimento comercial. Da leitura do art. 835, vê-se, claramente, que a penhora sobre certos bens que integram o estabelecimento é possível, mesmo porque o estabelecimento é uma universalidade de fato e, assim, deve ser entendido como um complexo de coisas destinado a um fim pela vontade de seu dono, que é livre para mantê-lo organizado e em funcionamento, como pode, a seu arbítrio, modificar a estrutura, a organização e alterar o destino, tanto do conjunto como de cada um dos elementos que o compõe, pois as unidades que compõem o estabelecimento comercial só permanecem unidas pela vontade do proprietário (ROCHA FILHO; ROCHA: 2016).
Por isso mesmo, devemos considerar a distinção do estabelecimento como um todo, e a discriminação, a individualização de bens que compõem aquele conjunto, nos termos do art. 1.142, do Código Civil . Diz-se isso, pois, realmente, a penhora do estabelecimento, como objeto unitário, pode ser, com certa frequência, muito gravosa ao empresário executado e não deve ser confundida, na prática, com a penhora de um ou mais bens isoladamente, ainda que integrem o estabelecimento do empresário. A novel legislação deixa bastante evidente a excepcionalidade dessa medida, no art. 865, do Código de Processo Civil , a nosso ver, pela real possibilidade de se revelar bastante onerosa para o devedor, ao indicar que a penhora de estabelecimento “somente será determinada se não houver outro meio eficaz para a efetivação do crédito”.
Ademais, mesmo quando se pensa em bens isolados, que possam integrar o estabelecimento, devemos analisar com parcimônia a possibilidade da constrição. O art. 649, V, do Código de Processo Civil/1973, já dispunha quanto à restrição absoluta à penhora de máquinas, ferramentas, utensílios ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão, o que permite a reflexão acerca do impedimento à penhora de parte dos bens que integram o estabelecimento.
Cumpre notar, primeiramente, que a regra é bem clara quanto a pessoas naturais, profissionais liberais, que, em regra, não serão considerados empresários. Mas, entendemos que a norma também pode amparar o empresário individual, pois ele não está incluído no rol das pessoas jurídicas, previsto no art. 44, do Código Civil, e a restrição, confirmada pelo art. 833, V do Código de Processo Civil , está diretamente relacionada à pessoa natural e ao exercício de sua profissão, podendo, pois, ser deferida tal proteção ao empresário individual, considerando-se as particularidades do caso. Sobre isso, boa a recordação de ASSIS, de que, em 1995, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a impenhorabilidade do veículo de transporte de um empresário individual. Na nova Lei Processual, vemos ressalva expressa dedicada ao produtor rural e à EIRELI rural, no § 3o, do art. 833 , que apresenta os bens impenhoráveis e amplia a impenhorabilidade quanto aos equipamentos, implementos e máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, salvo se tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados, como garantia, a negócio jurídico, ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
Veja-se o julgado abaixo, que ilustra o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de declarar impenhoráveis os bens móveis afetos à atividade profissional:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (art. 544 do CPC). EMBARGOS À PENHORA. FIRMA INDIVIDUAL QUE EXPLORA O COMÉRCIO VAREJISTA E AMBULANTE DE MERCADORIAS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA EMBARGANTE. 1. Pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que os bens úteis ou necessários às atividades desenvolvidas por pequenas empresas, onde os sócios atuam pessoalmente, são impenhoráveis, na forma do disposto no art. 649, V, do CPC. Divergência acerca da impenhorabilidade de bem do devedor. Tribunal local que, analisando os documentos constantes dos autos, concluiu estar abrangido pela proteção do art. 649, V, do CPC, o bem sobre o qual recaiu a constrição judicial, visto que imprescindível para o exercício da atividade empresarial. (STJ. 4 T., AgRg no AREsp 270.866/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 22/9/2015, DJe 25/9/2015).
Impende notar que conforme o julgado acima, tal proteção, inicialmente compatível apenas com o empresário individual – por ser a única espécie de empresário regular que é pessoa natural e, não, jurídica –, também tem sido considerada em favor de “pequenas empresas, onde os sócios atuam pessoalmente”, o que permite considerar a ampliação desse benefício a uma EIRELI, cujo titular emprega diretamente com sua força de trabalho em prol daquela, ou até mesmo uma sociedade limitada empresária composta por poucos sócios, que contribuem não somente para a formação do capital social, mas também pessoalmente com sua força de trabalho no cotidiano da sociedade, como vemos com tanta frequência em negócios familiares, por exemplo. Diz-se isso, pois o Superior Tribunal de Justiça tem admitido, há alguns anos, a extensão de tal benefício em favor das pessoas jurídicas que dependam do trabalho exclusivo e pessoal de seus sócios (ASSIS: 2016).
Quanto aos imóveis, parte da doutrina entende que, apesar de os bens móveis utilizados na atividade profissional serem amparados pela impenhorabilidade, o imóvel onde estiverem localizados aqueles bens móveis pode ser penhorado. Há, inclusive, um julgado (ASSIS: 2016), em que o Superior Tribunal de Justiça autoriza a penhora do imóvel onde se situava uma escola de dança . Mas, o mesmo Tribunal Superior também reconhece a impenhorabilidade de bens imóveis, em certos casos:
“A interpretação teleológica do artigo 649, V, do CPC, em observância aos princípios fundamentais constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, incisos III e IV, da CRFB/88) e do direito fundamental de propriedade limitado à sua função social (artigo 5º, incisos XXII e XXIII, da CRFB/88), legitima a inferência de que o imóvel profissional constitui instrumento necessário ou útil ao desenvolvimento da atividade objeto do contrato social, máxime quando se tratar de pequenas empresas, empresas de pequeno porte ou firma individual. [...] Destarte, revela-se admissível a penhora de imóvel que constitui parcela do estabelecimento industrial, desde que inexistentes outros bens passíveis de serem penhorados” (STJ, Corte Especial, REsp 1114767/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 2/12/2009, DJe 4/2/2010).
Porém, ressaltamos que para que seja viável a exclusão desses bens, móveis ou imóveis, o empresário deverá demonstrar sua necessidade e utilidade para atividade profissional desenvolvida, sob pena de dificultar, injustificadamente, a execução. Afinal, a regra é a penhorabilidade, de forma que “é inadmissível, à guisa de exemplo, reputar impenhoráveis os bens de sociedade comercial, independentemente da qualidade do credor ou da natureza da dívida, porque, obviamente, afetados à atividade econômica” (ASSIS: 2016). Sobre isso, veja-se:
EXECUÇÃO - BENS IMPENHORAVEIS. O devedor responde, para a satisfação de suas dívidas, com todos os seus bens, salvo as restrições da lei. Os bens móveis e imóveis de uma empresa são penhoráveis. A penhora de máquinas industriais não priva a empresa de continuar suas atividades. O benefício ao profissional não serve para florescer o império dos maus pagadores. Recurso improvido. (STJ, 1 T., REsp 60039-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, 29/3/95, DJ 8/5/1995, p. 12327 RSTJ vol. 73 p. 401)
Entendemos, justamente, que a situação deve ser analisada concretamente, sem se buscar uma solução ampla e genérica que não considere a qualidade do credor e a utilidade dos bens para o prosseguimento da atividade pelo devedor empresário. Um imóvel do empresário executado, não utilizado por ele no exercício de sua empresa, não deve ser entendido como integrante do estabelecimento e, dessa forma, seria razoável e provável a sua penhora, em atenção ao pensamento de conciliar os interesses e direitos do exequente, em contraposição aos do executado. Veja-se:
“1. As diversas leis que disciplinam o processo civil brasileiro deixam claro que a regra é a penhorabilidade dos bens, de modo que as exceções decorrem de previsão expressa em lei, cabendo ao executado o ônus de demonstrar a configuração, no caso concreto, de alguma das hipóteses de impenhorabilidade previstas na legislação, como a do art. 649, V, do CPC, verbis: "São absolutamente impenhoráveis (...) os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão". 2. Cabe ao executado, ou àquele que teve um bem penhorado, demonstrar que o bem móvel objeto de constrição judicial enquadra-se nessa situação de "utilidade" ou "necessidade" para o exercício da profissão. Caso o julgador não adote uma interpretação cautelosa do dispositivo, acabará tornando a impenhorabilidade a regra, o que contraria a lógica do processo civil brasileiro, que atribui ao executado o ônus de desconstituir o título executivo ou de obstruir a satisfação do crédito. 3. Assim, a menos que o automóvel seja a própria ferramenta de trabalho, como ocorre no caso dos taxistas (REsp 839.240/CE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 30.08.06), daqueles que se dedicam ao transporte escolar (REsp 84.756/RS, Rel. Min. Ruy Rosado, Quarta Turma, DJ de 27.05.96), ou na hipótese de o proprietário ser instrutor de auto-escola, não poderá ser considerado, de per si, como "útil" ou "necessário" ao desempenho profissional, devendo o executado, ou o terceiro interessado, fazer prova dessa "necessidade" ou "utilidade". Do contrário, os automóveis passarão à condição de bens absolutamente impenhoráveis, independentemente de prova, já que, de uma forma ou de outra, sempre serão utilizados para o deslocamento de pessoas de suas residências até o local de trabalho, ou do trabalho até o local da prestação do serviço. [...] 6. Recurso especial conhecido em parte e não provido, divergindo da nobre Relatora. (STJ, 2 T., REsp 1196142-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, j. 5/10/2010, DJe 2/3/2011).
Ampliando os exemplos destacados no julgado acima, pensamos que o mesmo raciocínio deve ser dedicado às marcas e patentes, que por serem bens móveis, podem integrar o estabelecimento do empresário individual, sendo úteis e necessários à continuidade da atividade, de modo que é preciso verificar, antes de determinar a penhora deles, se haveria modo menos gravoso ao devedor.
Ademais, um bem que, a priori, deve ser entendido como impenhorável, nos termos do art. 833, V, poderá perder tal condição, se o empresário oferecê-lo em garantia, conforme o §3° do mencionado artigo, pois cabe ao executado alegar a impenhorabilidade, tal como um trator empenhado por seu proprietário, em uma cédula rural (ASSIS: 2016).
O ideal, pois, é que o Judiciário se oriente pela busca do equilíbrio entre os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade, admitindo, em certos casos, a proteção a bens imóveis e móveis que integrem o estabelecimento do empresário, pela afetação à atividade profissional, existência de outros bens penhoráveis ou a necessidade e utilidade do bem para a continuidade da empresa.

2.3. Quotas ou ações de sociedades simples empresárias


Outra questão importante e, sempre em voga, com relação à penhora e a vida das sociedades, se refere às quotas e ações, que tornaram-se menos preferenciais. Nesse ponto, mister notar que o legislador inseriu, também, as unidades representativas do capital social das sociedades simples, juntamente com as empresárias. Assim, sendo reclassificada, no quadro, do n. VI para o n. IX, pensamos ter andado bem o nosso legislador, priorizando outros bens, tais como títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal, com cotação em mercado, bem como títulos e valores mobiliários com cotação em mercado, pela possibilidade de um bom número de interessados em adquirir tais títulos, bem como pela facilidade de circulação; veículos terrestres, bens móveis e imóveis, navios e aeronaves, além de inserir os semoventes, todos esses com maior liquidez que as quotas ou ações que representam o capital social do empresário executado.
Faremos breves considerações sobre o capital social, pois considerados oportuno para definição de quem seria o devedor, na execução em que se pretende a penhora de quotas ou ações: é a própria sociedade, ou algum de seus sócios? A resposta é relevante, ao pensarmos em penhora de unidades representativas do capital social. A penhora será de bens da sociedade, ou de direito – patrimonial e/ou pessoal – de sócio em uma sociedade?
Quando se fala nisso, deve-se ter em mente que o credor tem o sócio como devedor; não a sociedade. Ao mesmo tempo, é forçoso reconhecer que tal dispositivo não visa impor uma sociedade entre desconhecidos: sócios remanescentes e o exequente, que substituiria o sócio executado. O que se busca é, em síntese, o equivalente monetário da unidade representativa do capital social, para pagamento do credor particular do sócio. Afinal, a quota ou ação “apenas representa o valor, em dinheiro, da contribuição do sócio para a formação do capital social” (ROCHA FILHO; ROCHA: 2016).
Assim, elas podem ser entendidas, na execução, como um direito de crédito futuro, pois o sócio contribui para a formação do capital social, mediante a transferência, em favor da sociedade, de bens conferidos à integralização do capital social, e, por isso, “passa a gozar, em função dessa transferência, dos resultados líquidos do investimento” (ROCHA FILHO; ROCHA: 2016). É preciso estar claro que ao subscrever parcela do capital social, o sócio assume uma obrigação perante a sociedade – “entrar com o contingente a seu cargo no prazo e pela forma estipulados” (MENDONÇA: 1945) –, tornando-se, pois, devedor da sociedade. Tanto que, se não integralizar o que subscreveu, o sócio será considerado remisso.
Diante disso, podemos afirmar que as quotas pertencem à sociedade e, não, aos seus sócios, de forma que estes não podem dispor daquelas. Os fundos sociais não pertencem ao quotista, mas à sociedade, que por ser pessoa jurídica, tem autonomia patrimonial, atributo da personalidade jurídica, da personificação da sociedade. MENDONÇA já ensinava que “os sócios não têm sobre o fundo social direito de propriedade ou de co-propriedade, mas sòmente o direito de crédito condicionado à liquidação social” (sic) (MENDONÇA: 1945).
Isso já não ocorre, necessariamente, com a ação, pois pode ser um título pertencente ao acionista, de valor uniforme, negociável, suscetível de fácil alienação. E, em se tratando de uma sociedade de capital, sem a preponderância da affectio societatis, a execução poderá alcançar o direito patrimonial e, também, o pessoal, do sócio devedor.
Assim, a priori, a quota não seria suscetível de penhora, pois amiúde, sua alienação ou transferência estão sujeitas a restrições, previstas no contrato social. Porém, há algumas décadas, o Superior Tribunal de Justiça tem permitido a penhora de quotas, sob o argumento de que a constrição judicial não atenta, necessariamente, contra o princípio da affectio societatis ou contra o da intuitu personæ da empresa, tal como no julgado do AgRg no REsp 1221579-MS, de relatoria da Min. Maria Isabel Gallotti . Mas, em outro julgado, aquele Tribunal admitiu a impenhorabilidade, caso o contrato social vede a cessão de quotas a estranhos ao quadro social .
Mas, imperioso notar que, nos termos dos arts. 1.003 e 1.057, ambos do Código Civil, não é tão simples admitir a penhora de quotas, pois isso somente seria pacífico se elas fossem livremente transferíveis a terceiros, e, na grande maioria dos casos, não é isso o que se verifica nas sociedades simples e limitadas. Em contraposição, poder-se-ia argumentar que as quotas não estão elencadas no rol dos bens impenhoráveis, disposto no art. 833, do Código de Processo Civil.
Apesar de defender a possibilidade de penhora de quotas, BORGES explicava, muito antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, que “se o contrato proibir a cessão das quotas, segue-se que elas são inalienáveis, não podendo pois ser nem apenhadas nem penhoradas, a não ser com o consentimento dos sócios” (BORGES: 1991). Nesse caso, a inalienabilidade decorre de convenção das partes, no caso, os sócios de uma sociedade de pessoas, podendo ser oposto a terceiros. A nosso ver, esse posicionamento se harmoniza com o disposto no art. 834, do Código de Processo Civil, que dispõe, in verbis: “Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis”, complementado pelo art. 867, que permite ao juiz determinar a penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel, quando tal medida se mostrar mais eficiente para o recebimento do crédito e menos gravosa ao executado.
Contudo, há quem defenda o contrário, argumentando que o contrato social não obriga terceiros, pois senão a impenhorabilidade ocorreria à revelia dos credores (ASSIS: 2016).
Ademais, pela análise do art. 1.026, do Código Civil, fica evidente que a execução – e, consequentemente, a penhora – deverá recair sobre o que ao sócio couber, “nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação”, sob o ponto de vista patrimonial; não sobre as quotas, sob o ângulo pessoal, mesmo porque essas, na realidade, não pertencem ao sócio e, sim, à sociedade, conforme explicado alhures. Tal dispositivo se harmoniza, inclusive, com o disposto no vetusto Código Comercial brasileiro . Em recente julgado, o Min. Luis Felipe Salomão aborda o tema, indicando, implicitamente, o aspecto patrimonial:
“Tendo em vista o disposto no artigo 1.026, combinado com o artigo 1.053, ambos do Código Civil, e os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução, cabia ao exequente adotar as devidas cautelas impostas pela lei, requerendo a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à meação do devedor, conforme também a inteligência do artigo 1.027 do Código Civil; não podendo ser deferida, de imediato, a penhora das cotas sociais de sociedade empresária que se encontra em plena atividade, em prejuízo de terceiros. (STJ, 4 T., AgInt no AREsp 902584-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 6/12/2016, DJe 14/12/2016).
Por tais dispositivos, entendemos que a quota, efetivamente, somente poderia ser penhorada, do ponto de vista pessoal, se no contrato social houvesse cláusula que permitisse sua cessão a terceiros, sem a anuência dos demais sócios. Porém, nesse caso, não estaremos diante de uma sociedade de pessoas (cum intuitu personæ), e, sim de uma sociedade de capital.
Portanto, frequentemente, o que se tem, juridicamente, não é a penhora das quotas “de determinado sócio”, como se diz comumente. A medida imposta, em verdade, recairá sobre os resultados líquidos do investimento, não sobre a quota propriamente dita. Se isso não se efetivar, na prática, a penhora poderá ser feita sobre o produto líquido que couber ao quotista, na liquidação da sociedade. Isso, pelo menos, é o que se extrai da análise do art. 1.026, do Código Civil. A propósito, de lembrar que o Código de Processo Civil/1939 (art. 982) também não admitia a penhora de quotas. Mas, durante a vigência do CPC/1973, passou-se a admitir a penhora de quotas do devedor quotista, de forma que este poderia responder, com elas, por suas obrigações perante credores particulares (LUCENA: 1999).
Dessa forma, o credor particular do sócio de sociedades de pessoas pode requerer a penhora da parte que cabe ao sócio nos lucros da sociedade, ou, se for o caso, a penhora da parte que tocar ao sócio no caso de liquidação das quotas e/ou da sociedade. Vale dizer: ele tem direito de penhorar os lucros a serem pagos ao seu devedor, pelo fato dele ser sócio de uma sociedade, ou de penhorar o valor patrimonial das quotas do sócio que lhe deve, de forma que o sócio pode perder essa condição de pleno direito. Tudo isso, sem que o credor se torne, automaticamente, sócio da sociedade, por serem sociedades norteadas, comumente, pela affectio societatis. Com isso, podemos perceber, mais claramente, a questão da penhora de quotas – possível nas sociedades consideradas de capital, com livre circulação das unidades representativas do capital social –, e da constrição nas sociedades de pessoas, em que a penhora se limita à questão patrimonial. Por isso, a penhora “alcançará apenas o direito patrimonial, jamais o direito pessoal” (LUCENA: 1999), o que, ainda que momentaneamente, significará uma redução do capital social e do número de sócios.
O referido art. 1.026 até mesmo menciona, em seu parágrafo único, a liquidação da quota, o que parecia ter colocado uma “pá de cal” na questão. Contudo, com o advento da Lei n. 11.382/2006, que introduziu modificações no Código de Processo Civil/1973, voltou-se a falar na penhora de quotas, pois o art. 685-A determinava que o exequente poderia requerer a adjudicação dos bens penhorados, e em seu § 4º, havia expressa autorização à penhora de quota, pois dispunha que “procedida por exeqüente alheio à sociedade, esta será intimada, assegurando preferência aos sócios.” (sic).
Com o advento do novo Código de Processo Civil, a ideia de penhora de quotas, juntamente com as ações, foi reforçada pelo disposto no art. 861 , o que, de certa maneira, vem ao encontro do que defendemos anteriormente, pois pode-se extrair o escopo patrimonial, ante a necessidade de apresentação de balanço patrimonial, visando à liquidação das quotas ou ações, para depósito, em dinheiro, do valor apurado, com a possível redução do capital social. Quanto às S/As abertas, o § 2o esclarece que suas ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, por se tratarem de unidades representativas do capital social de sociedades de capital.
Outro detalhe interessante é quanto ao prazo de 3 (três) meses, para realização desse procedimento. Nos termos do § 4o,, II, do artigo ora analisado, tal prazo poderá ser ampliado pelo juiz, se o pagamento das quotas ou das ações liquidadas colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária, indicando preocupação com a onerosidade excessiva quanto a terceiro, que é a sociedade, vez que a liquidação, para pagamento de credor particular de sócio, pode, eventualmente, colocar em risco a continuidade da empresa, tal como no caso de uma saída repentina de sócio titular de grande parte do capital social, que terá direito à apuração e pagamento de seus haveres, em que, comumente, os atos constitutivos estabelecem o pagamento parcelado, visando, justamente, harmonizar os interesses do sócio retirante, excluído ou falecido, com a condição econômica da sociedade.
Ainda sob o ponto de vista processual, o Código de Processo Civil impõe ao exequente o dever de requerer ao Juízo a intimação da sociedade devedora, caso se trate de penhora de quota, ou de ação de S/A fechada, para o fim previsto no art. 876, § 7o. Por tudo isso, poder-se-ia dizer, inclusive, que a sociedade teria legitimidade ativa para opor embargos de terceiros e, por esse caminho, questionar a constrição judicial, visando a desconstituição da penhora que recaia sobre suas quotas. Outra alternativa é, após ser intimada da penhora, a sociedade requerer a substituição do bem penhorado, no prazo de 10 (dez) dias, comprovando que lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente, nos termos do art. 847, do Código de Processo Civil.
Portanto, estamos de acordo com LUCENA, que sintetiza a questão de forma clara e objetiva:
“a penhora efetiva-se sobre a quota social, mas a execução alcança apenas o direito patrimonial do sócio devedor, jamais seu direito pessoal. O credor-exequente torna-se titular apenas de um direito de crédito, em relação aos lucros líquidos e aos haveres apurados, mas jamais se investe do status socii, que, com a execução (liquidação da quota), simplesmente se extingue, sem ser transferido a ninguém. E, com isso, preservada restará a affectio societatis.” (LUCENA: 1999).
Estando diante de uma sociedade de capital, sem a preponderância da affectio societatis, a execução poderá alcançar o direito patrimonial e, também, o pessoal, do sócio devedor.

2.4. Faturamento


Por outro lado, há outras medidas que podem dificultar, ainda mais, a continuidade da empresa, tal como a possibilidade de penhora do faturamento do devedor, que, de acordo com o novo Código de Processo Civil, pode ser penhorado.
Destacamos, primeiramente, que essa hipótese foi reclassificada, passando do inciso VII para o X. Atribuímos isso à sua menor liquidez e dificuldade de efetivação atendendo, com razoabilidade, ao interesse do credor e à continuidade da atividade do empresário devedor. Tal reclassificação, a nosso ver, é coerente, pois não é recente o entendimento de que a penhora de parcela do faturamento do empresário deveria ser excepcional, em casos de inexistência de outro bem penhorável e, principalmente, desde que não impedisse a normal continuidade da empresa . E continua sendo medida excepcional . Assim, oportuna a reclassificação, por meio da qual o Legislador prioriza outros bens, tais como títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal, com cotação em mercado, bem como títulos e valores mobiliários com cotação em mercado, veículos terrestres, bens imóveis e móveis, navios e aeronaves, além de inserir os semoventes, todos esses com menor chance de importarem onerosidade excessiva do empresário executado.
Ao se falar em penhora do faturamento, é preciso ter claro que isso não se confunde com o sujeito – empresário –, nem com determinados bens, que podem, inclusive, ser impenhoráveis. O ato de constrição, nesse caso, será sobre a renda. E, mesmo assim, é importante analisar as particularidades do empresário, tais como seu fluxo de caixa, seu grau de endividamento (MARTINS: 2016), antes da definição do percentual de seu faturamento que poderá ser objeto de penhora, sob pena de afronta ao disposto no art. 805, do Código de Processo Civil , já que, com certa facilidade, a penhora do faturamento pode revelar-se modo mais gravoso para o executado, caso tenha condições de indicar outros bens à penhora, que sejam mais eficazes e menos onerosos. Mesmo porque, nos termos do § 2o, do art. 829, do Código de Processo Civil, a “penhora recairá sobre os bens indicados pelo exequente, salvo se outros forem indicados pelo executado e aceitos pelo juiz, mediante demonstração de que a constrição proposta lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente”. Assim, nos termos do art. 847, da mesma lei , cabe ao executado requerer, no prazo de 10 (dez) dias, contado da intimação da penhora, a substituição do bem penhorado, comprovando que lhe será menos onerosa e que não trará prejuízo ao exequente.
Por isso, é importante analisar o percentual do faturamento do empresário passível de penhora, sem que essa constrição impeça a normal continuidade da empresa, tal como alertamos, no caso da penhora de dinheiro em espécie, que não se confunde com o faturamento. Primeiro, será preciso saber, realmente, qual é o faturamento, para depois se pensar no percentual a ser penhorado. É certo que a Lei não o menciona. Mas, é certo, também, que tal penhora não pode inviabilizar, na prática, o prosseguimento da atividade empresária, pois este não é o objetivo buscado, de maneira que fixar um percentual qualquer – v.g., 10% (dez por cento) ou 20% (vinte por cento), aleatoriamente, para aplicação ampla e genérica, “sem diagnóstico preciso” (MARTINS: 2016) –, significa, em nosso ponto de vista, desconsiderar as particularidades do caso e as possibilidades do empresário, podendo revelar uma afronta ao princípio da preservação da empresa, pois nem todo devedor terá condições de prosseguir com sua atividade caso tenha, por exemplo, 20% (vinte por cento) de seu faturamento penhorado, em função de seu momento econômico-financeiro ao tempo da penhora.
BUENO inclusive recorda, oportunamente, que nem sequer em caso de falência (execução coletiva) devemos falar em paralisação das atividades, quando o prosseguimento da empresa for importante para a realização do ativo e pagamento do passivo (BUENO: 2008). Com mais razão, na execução individual, não é adequado penhorar o faturamento em percentual que possa causar a falência do empresário, pois a medida analisada não é destinada a isso. Esse é, também, o entendimento de nossos Tribunais:
“A ausência de imposição de limite legal no dispositivo que permite a penhora do faturamento da empresa executada não pode conduzir à conclusão de que se deva penhorar a integralidade dos numerários de que dispõe, pois figura também como interesse público o livre exercício da atividade econômica no território brasileiro, de onde advém a geração de empregos, receita e riqueza, em nada interessando, nem mesmo ao FISCO, o fechamento das empresas, ainda que para adimplir o Erário. O Tribunal de origem, soberano na apreciação das circunstâncias fáticas, deferiu a penhora limitando-a à fração de 10% dos valores depositados na conta-corrente da empresa executada, com vistas à função social da empresa e à continuidade de suas atividades, levando em consideração sua precária situação financeira.” (STJ, 2 T., AgInt no REsp 1588496/SP, 2015/0213562-2, Min. Rel. OG Fernandes, j. 15/12/2016, DJe 19/12/2016).
Por isso, antes de se determinar a penhora do faturamento, o magistrado deve ter em mente que deverá fixar um percentual “que propicie a satisfação do crédito exequendo em tempo razoável, mas que não torne inviável o exercício da atividade empresarial”, nos termos do art. 866, § 1o. Esse tempo razoável, sem inviabilizar a empresa, deve revelar, justamente, a conciliação entre o recebimento do crédito em tempo que não seja desinteressante para o credor, mas, concomitantemente, considerando as particularidades do caso concreto e a continuidade da atividade pelo empresário. Em recente julgado, fixou-se o percentual de 5% (cinco por cento), entendendo que esse percentual não inviabilizaria a empresa, posição ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça .
Esse posicionamento se coaduna com o caso emblemático de penhora de faturamento de sociedade empresária que, em decisões do Tribunal inferior, havia sido fixado em 30% (trinta por cento) do faturamento mensal, visando ao pagamento da dívida. O devedor recorreu e, em sede de recurso especial, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que aquele percentual poderia causar a inviabilidade financeira da sociedade, por retirar parte da receita necessária à sua atuação, reduzindo-o para 5% (cinco por cento). O relator do acórdão, Min. Raul Araújo, asseverou que:
“Com efeito, é manifesto que a penhora sobre 30% do faturamento bruto mensal de uma empresa, normalmente se mostra elevada, podendo resultar na inviabilidade financeira da sociedade, na medida em que se pode estar a atingir parte da receita necessária à cobertura do próprio custo total de atuação da executada.”
Acompanhou-o o vogal Min. Luiz Felipe Salomão, com oportuna consideração: “Como pondera Sua Excelência, em determinados setores – tome-se, por exemplo, um supermercado –, a margem de lucro é de praticamente de cinco por cento. Se incluirmos a penhora no faturamento bruto de cinco por cento, será a inviabilidade da empresa. Nesse caso, quem não recebe é o próprio credor”. Mas, tal entendimento não foi unânime, pois a revisora Min. Maria Isabel Gallotti manteve a penhora sobre os 30% (trinta por cento), indicando que tal tema ainda não é pacífico.
Oportuna, também, outra indagação: ao listar o faturamento da empresa, a intenção do legislador era restringir às sociedades empresárias, ou empregou o vocábulo empresa para se referir a qualquer sociedade? Entendemos que empresa, aqui, foi utilizada sem rigor técnico-jurídico, designando tanto sociedades – simples e empresárias –, como também a empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli) e o empresário individual, que não se confundem com as sociedades, nos termos do art. 44, do Código Civil.

2.5. Outros direitos


Quanto aos outros direitos, mencionados no último inciso da lista, inevitavelmente a expressão utilizada pelo legislador nos remete a créditos do empresário executado, a receber junto a terceiros, seus devedores, que podem ser penhorados, mas, para que tal medida não seja inóqua, devem ser tomados cuidados para que o empresário não receba o crédito penhorado.
Assim, tratando-se de um título de crédito, por exemplo, este deve ser apreendido e depositado em cartório, de forma que o eventual pagamento realizado em favor do empresário devedor não surtirá efeito de quitação da dívida, nos termos do art. 672, do Código de Processo Civil/1973. Tais disposições encontram-se no atual art. 856, da nova Lei Processual, a indicar que crédito representado por título pode ser penhorado através da apreensão do documento, esteja ou não este em poder do executado. Caso não seja possível a apreensão, mas o terceiro confesse a dívida, ele será considerado depositário da importância, exonerando-se após depositar o valor em juízo .
Em não havendo materialização do crédito em uma cambial, v.g., um precatório, deve-se intimar o terceiro devedor para que a penhora seja eficaz, para que não pague ao seu credor (empresário executado), o que gera efeito semelhante à apreensão de uma cambial.

CONCLUSÃO


Por todo o exposto, resta evidente que o processo judicial que leva, especialmente, à constrição de bens pela penhora, deve considerar não somente o direito do credor e a garantia quanto ao recebimento de seu crédito, mas, também, que isso não importe grande instabilidade do empresário, relacionada ao cumprimento de sua obrigação perante seu credor, a partir da penhora de bens indispensáveis à continuidade da empresa. Em verdade, tal necessidade é antiga e não surge como novidade na atual legislação processual civil brasileira.
Mas, mesmo não sendo um debate recente, o que vemos, amiúde, são “equívocos na interpretação e constrições que acarretam não apenas insegurança, mas o próprio risco do negócio empresarial” (MARTINS: 2016). Nossa intenção com este artigo é, em parte, evidenciar alguns desses equívocos, que comprometem, frequentemente, o cotidiano do empresário e a preservação da empresa, por não considerarem a realidade empresarial e os desafios diários dessa atividade, e, por essa razão, contrariarem, ainda que inadvertidamente, o princípio da menor onerosidade ao devedor, o que revelaria o desacerto da penhora, não como direito do credor, mas sim com a incompatibilidade com a capacidade do devedor empresário de saldar seu débito, após a penhora determinada, por exemplo, sobre grande percentual de seu faturamento, sobre seu estabelecimento, ou sobre a totalidade de seu capital de giro.
Muitos desses equívocos, praticados ao tempo da vigência do Código de Processo Civil/1973, parecem insistir em permanecer ao longo do tempo, pois julgados posteriores a março de 2016 – início da vigência do novo Código de Processo Civil –, ratificam entendimentos anteriores, implícita ou explicitamente, com pouca ou até nenhuma mudança, pois levam em conta, em muitos casos, apenas o direito do credor, ignorando os princípios da execução, dentre eles, o da menor onerosidade ao devedor, ou superestimam as questões processuais, olvidando a harmonização com o direito material, no caso, o Direito Comercial.
Não queremos, neste trabalho, defender a impunidade do empresário, frente ao seu credor, pois pensar o direito comercial hodierno implica considerar a responsabilidade, tanto do empresário, como de seus sócios, em certos casos – tais como perante seus credores particulares, ou nas sociedades que geram responsabilidade ilimitada, ou em caso do sócio que delibera contrariamente ao ato constitutivo ou à Lei –, bem como dos administradores. Mesmo porque a responsabilidade patrimonial do executado é um dos princípios que orientam o processo executivo e está expressamente consagrado no art. 789, do Código de Processo Civil . Mas, para que isso seja eficaz, consideramos fundamental ter critérios técnicos bem delineados, para que seja possível conciliar, de forma científica, o crédito com o débito.


REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 18 ed rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, 1821 p.
BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 361 p.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Tutela jurisdicional executiva. 3v. São Paulo: Saraiva, 2008, 595 p.
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades por quotas, de responsabilidade limitada. 3d.. São Paulo: Renovar. 1999, 933 p.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART; Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. 3v.. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007, 477 p.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Atual. Carlos Henrique Abrão. 39 ed., rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. V. III, São Paulo: Editora Freitas Bastos, 1945, 467 p.
ROCHA FILHO, José Maria; ROCHA, Gustavo Ribeiro. Curso de Direito Comercial – Teoria geral da empresa e direito societário. Belo Horizonte: D´Plácido, 2016, p.
ANEXO II - Jurisprudência aplicada
STJ, Corte Especial, REsp 1388638-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3/8/2016, DJe 6/9/2016. STJ. 4 T. AgRg no AREsp 270.866-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 22/9/2015, DJe 25/9/2015. STJ, 2ª Seção, EREsp 1121719-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 12/2/2014, DJe 4/4/2014. STJ, Corte Especial, REsp 1114767-RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 2/12/2009, DJe 4/2/2010. STJ, 2 T., REsp 1196142/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, j. 5/10/2010, DJe 2/3/2011. STJ, 1ª T., REsp n. 803435-RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU 18/12/2006, p. 331. STJ, 2 T., AgInt no REsp 1588496/SP, 2015/0213562-2, Min. Rel. OG Fernandes, j. 15/12/2016, DJe 19/12/2016. STJ, 2 T, AgRg no AREsp 725349 – RJ, 2015/0138057-3, Rel. Min. Assusete Magalhães 3/3/2016, DJe 16/03/2016. STJ, 4 T., REsp 1545817-SP, Rel. Min. Raul Araújo, 19/4/2016, DJe 27/05/2016. STJ, 4 T., AgRg no REsp 1221579-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti 1/3/2016, DJe 04/03/2016. STJ, 4 T., AgInt no AREsp 902584-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 6/12/2016, DJe 14/12/2016
Capítulo publicado na obra Os impactos do novo CPC no Direito Empresarial, p. 247-272. Belo Horizonte: D´Plácido, 2017.
Autor: Gustavo Ribeiro Rocha