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Natureza Cambiária da Cédula de Produto Rural

Artigo publicado na Revista Del Rey Jurídica, Ano 9, n. 17, janeiro a julho de 2007, Belo Horizonte: Del Rey, p. 34/35. ISSN: 1981-7649

A Cédula de Produto Rural, conhecida pela sigla CPR e criada pela Lei n. 8.929/94, é um documento emitido pelo produtor rural ou por suas associações, incluídas as cooperativas, correspondente a uma promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída.

Sua principal função é o recebimento imediato de seu valor, que implica na utilização da prestação futura para a realização negócios atuais.

A partir dela, o produtor rural tem meios de captar recursos de forma célere, com a venda antecipada de determinado produto, o que estimula o crescimento do agronegócio.

Com o advento da Lei n. 10.200/2001, que alterou a Lei n. 8.929/94, tornou-se possível, também, a liquidação da CPR em moeda corrente, criando-se a chamada CPR-financeira. Seu funcionamento é parecido com o da CPR criada em 1994, mas diferencia-se desta em sua liquidação, pois, no vencimento, não se dará a entrega de nenhum produto, mas a do valor equivalente, em dinheiro.

Buscando entender a natureza jurídica da CPR, vê-se que a Lei n. 8.929/94 não a determina como civil ou comercial, diferentemente do que ocorre no Dec.-lei n. 167/67, que instituiu a cédula de crédito rural e a nomeou cártula civil.

Assim, para se alcançar o referido entendimento, deve-se ter em mente o significado do crédito, as características dos títulos de crédito e as normas brasileiras de direito cambial. No crédito estão implícitos a confiança no devedor e, também, em garantias pessoais, como o aval, ou reais, como a hipoteca; e o tempo, o lapso temporal entre a prestação atual e a futura.

Tem-se como conceito de título de crédito o documento necessário para se exercer o direito, literal e autônomo, nele mencionado. É o documento de legitimação em que se materializa, em que se incorpora a obrigação futura a ser cumprida pelo devedor, em favor do legítimo possuidor do título, titular do direito.

A partir disso, vê-se que a CPR deve ser entendida como um título de crédito, sendo regulada, pois, pelas regras do direito cambiário, ao contrário dos que defendem sua natureza civil, contratual, sob o argumento de que o bem objeto do negócio e prometido à entrega não pode, estritamente, ser considerado oriundo de uma atividade comercial. Mas isso não é óbice a que se entenda a CPR como um título de crédito. A nota promissória, v.g., pode não ter objeto oriundo de atividade comercial, sem, por isso, perder sua natureza cambiária.

O fato de a CPR ter origem, necessariamente, em uma venda de produto rural também não impede que ela seja considerada um título de crédito, pois este pode decorrer de uma compra e venda. A duplicata, como título causal, só pode ser emitida em decorrência de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de serviços, sem, por isso, perder sua condição de título cambiariforme. Assim, a CPR deve ser encarada como título causal, vez que sua emissão deve decorrer de uma compra e venda de produto rural, sem perder sua autonomia, por isso.

Nesse ponto, percebe-se a semelhança da CPR com os títulos representativos – títulos causais que não expressam real operação de crédito, mas que representam mercadorias ou bens que justificam sua existência, conferindo ao possuidor o poder de exercer certos direitos sobre aqueles, e que obedecem, em certos aspectos, aos princípios norteadores dos títulos de crédito em geral,beneficiando-se desses princípios para mobilizar o crédito –, que integram o rol de títulos de crédito impróprios.

A CPR, como outros títulos representativos, reveste-se de certos requisitos dos títulos de crédito próprios, encerrando direitos de crédito, utilizando-se das normas cambiárias para circular.

Tais considerações acerca dos chamados títulos representativos guardam relação com a CPR criada em 1994. Quanto à CPR-financeira, criada em 2001, entendemos ser ela um título de crédito próprio, por encerrar verdadeira operação de crédito, com a entrega do valor equivalente em dinheiro.

Tendo-se em conta que a CPR surgiu em face da necessidade de se agilizar a venda do produto rural, evidencia-se mais uma semelhança com os títulos de crédito, que têm por objetivo, precisamente, a circulação do crédito e a mobilização da riqueza.

Recordando os elementos essenciais do crédito, observa-se que na CPR também há a confiança do credor no devedor, à medida que há a promessa de pagamento futuro e está presente o tempo, que é o intervalo entre a prestação atual e a futura.

Outro elemento que referenda essa posição e que não pode ser olvidado é a possibilidade do aval na CPR, pois, como se sabe, o aval é uma garantia típica dos títulos de crédito.

E não é pelo fato de constar no art. 10, da Lei n. 8.929/94, que as normas de direito cambial se aplicam à CPR “no que forem cabíveis”, que esta não é um título de crédito.

Expressão semelhante consta do art. 29, da Lei n. 10.931/2004 (Cédula de Crédito Bancário) sem que essa cédula perca sua condição de título de crédito. Na Lei de CPR encontra-se “no que forem cabíveis”; na de Cédula de Crédito Bancário, “no que couberem”.

O que se extrai do mencionado art. 10 é que as normas de Direito Cambiário são aplicáveis à CPR, no que não afetar seus traços marcantes, que são a compra e venda de produto rural, além das particularidades relativas ao endosso, aos endossantes, aos avalistas e ao protesto.

Trata-se, pois, de título de crédito previsto em lei específica, que possui regras próprias, tais como os seus requisitos essenciais, e as diferenças entre ela e os demais títulos de créditos, expostas, especialmente, nos incisos I, II e III, do art. 10, da Lei n. 8.929/94.

E, como se sabe, os títulos de crédito típicos, existentes no Direito brasileiro, filiam-se à disciplina da legislação cambiária.

Portanto, entendida como um título de crédito, com as facilidades de sua circulação e, não, como um contrato, a CPR se revela como um importante meio de crescimento do agronegócio brasileiro, promovendo cada vez mais a circulação da riqueza.

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Artigo publicado na Revista Del Rey Jurídica, Ano 9, n. 17, janeiro a julho de 2007, Belo Horizonte: Del Rey, p. 34/35. ISSN: 1981-7649
Autor: Gustavo Ribeiro